O uso abusivo da falência: o que todo pequeno e médio empresário precisa saber

  • 19/02/2025
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Pequenos e médios empresários convivem diariamente com os desafios da inadimplência. Um cliente que deixa de pagar pode comprometer toda a operação, afetando desde o pagamento de fornecedores até a manutenção de empregos. Diante dessa realidade, muitos credores buscam estratégias mais rápidas para receber o que lhes é devido. Nos últimos anos, tem crescido o uso do pedido de falência não como um mecanismo legítimo para lidar com a insolvência de uma empresa, mas como forma de pressão para forçar o pagamento de dívidas. Trata-se de uma prática perigosa, que pode colocar em xeque a sobrevivência de negócios viáveis e que merece a atenção de quem empreende.

A lei é clara quanto à finalidade do processo falimentar. A Lei nº 11.101/2005 estabelece que a falência pode ser requerida em hipóteses bem definidas: quando o devedor não paga dívida líquida e protestada, quando executado judicialmente não apresenta bens suficientes ou quando pratica atos que evidenciem fraude contra credores. Por sua vez, o Código de Processo Civil, no artigo 783, assegura ao credor que possui um título executivo o direito de promover a execução judicial, que é a via adequada para a cobrança. Isso significa que, na ordem natural das coisas, a ação de execução é o caminho legítimo para buscar o pagamento, e não o pedido de falência.

O problema surge quando credores, cientes de que a falência tem peso e repercussão imediata no mercado, passam a utilizá-la como ferramenta coercitiva. Em vez de ingressarem com ação de execução e aguardarem a tramitação normal do processo, preferem ajuizar diretamente um pedido de falência, sabendo que o simples protocolo dessa medida já causa grande desconforto e preocupação ao devedor. Embora possa parecer uma estratégia “mais agressiva”, o que se observa é um claro desvio de finalidade: usa-se o processo falimentar como meio de intimidação, e não como o instrumento coletivo de preservação do crédito que ele efetivamente é.

Para os empresários, os riscos de enfrentar um pedido de falência indevido são enormes. A simples notícia de que a empresa está sendo processada em ação falimentar pode abalar a confiança de fornecedores, clientes e bancos. Linhas de crédito podem ser suspensas, renegociações ficam comprometidas e, em muitos casos, parceiros comerciais optam por interromper relações até que a situação seja esclarecida. Além disso, os custos com advogados e o tempo gasto na defesa drenam recursos que poderiam estar sendo usados para a continuidade das atividades. Não se trata apenas de uma questão jurídica, mas de sobrevivência empresarial.

 

A jurisprudência, felizmente, tem coibido esse tipo de abuso. Tribunais vêm reconhecendo que o pedido de falência não pode ser admitido quando há relevante razão jurídica para o não pagamento da dívida. Isso significa que se o devedor consegue demonstrar que o débito está sendo discutido em juízo, que existe compensação a ser feita, que há abusos contratuais ou até falhas cometidas pelo próprio credor, o processo falimentar não deve prosperar. É importante compreender que a inadimplência, por si só, não basta para justificar a medida extrema da falência, que só se legitima quando há efetiva demonstração de insolvência.

 

Nesse cenário, o pequeno e médio empresário precisa adotar uma postura preventiva. A primeira medida é a organização documental: manter contratos, comprovantes de pagamento, registros de negociações e correspondências com credores é fundamental para se defender de alegações infundadas. Negociar preventivamente com fornecedores e parceiros também ajuda a evitar que dívidas se tornem insustentáveis. E, diante de qualquer ameaça ou efetiva ação de falência, a assessoria jurídica especializada é indispensável. Um advogado com experiência em insolvência e recuperação judicial pode não apenas estruturar a defesa, mas também reconverter o pedido falimentar em simples ação de cobrança, retirando o peso do estigma de uma falência indevida.

 

O ponto central é que a falência não pode ser banalizada. Ela existe para tratar situações de insolvência real, que comprometem a coletividade de credores, e não para servir de mecanismo de intimidação ou cobrança individual. Quando mal utilizada, a ferramenta fragiliza todo o sistema, ameaça a continuidade de empresas saudáveis e desvirtua o objetivo da lei. Para o empresário, a consciência desse risco é uma forma de proteção. Ao identificar abusos, é possível reagir, apresentar defesas consistentes e preservar não apenas a atividade econômica, mas também a credibilidade construída no mercado.

 

Mais do que um debate jurídico, estamos diante de uma questão prática: proteger os pequenos e médios negócios de manobras que podem comprometer sua existência. Conhecer seus direitos, agir preventivamente e recorrer ao apoio técnico certo são passos fundamentais para enfrentar esse tipo de desafio. Afinal, em um cenário já desafiador para empreender, não há espaço para que a falência seja utilizada como instrumento de coerção. É preciso garantir que a lei seja aplicada com equilíbrio, assegurando tanto o direito do credor quanto a preservação da atividade empresarial.