Fiança e Aval: Os riscos das garantias pessoais na prática empresarial

  • 19/02/2025
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No cotidiano dos micros e pequenos empresários, é frequente a exigência de garantias pessoais para viabilizar contratos de locação, operações de crédito ou mesmo relações de fornecimento. Entre as mais utilizadas estão a fiança e o aval, figuras jurídicas clássicas que, embora concebidas como mecanismos de proteção ao credor, podem gerar consequências severas para o garantidor quando mal dimensionadas.

A fiança caracteriza-se como contrato acessório em que o fiador se compromete a responder pela obrigação principal caso o devedor não a cumpra. Na prática empresarial, trata-se muitas vezes de um sócio que, para assegurar a continuidade do negócio, coloca seu patrimônio pessoal em risco. O detalhe que costuma escapar ao empresário — e muitas vezes até ao profissional menos atento — é que a fiança pode ser solidária, permitindo a cobrança direta do fiador, sem necessidade de prévia execução contra o devedor principal. Além disso, se não houver previsão expressa de limitação temporal ou exoneração formal, a responsabilidade do fiador pode se estender além do prazo originalmente imaginado.

O aval, por sua vez, recai sobre títulos de crédito e distingue-se pela sua natureza autônoma. Ao subscrever uma nota promissória ou duplicata como avalista, o garantidor assume obrigação própria e independente, desvinculada das exceções que caberiam ao devedor. Isso significa que o credor pode acionar o avalista imediatamente, sem a necessidade de demonstrar inadimplência ou de enfrentar discussões sobre a validade do negócio subjacente. É justamente essa abstração típica do direito cambiário que torna o aval ainda mais perigoso do que a fiança em muitos casos.

Ambas as garantias, portanto, expõem o empresário à confusão entre as esferas pessoal e societária, corroendo a lógica da responsabilidade limitada que, em tese, protege quem empreende por meio de pessoa jurídica. O sócio que assina um contrato sem atentar para essas cláusulas pode descobrir, em situação de inadimplência, que sua casa, seu veículo ou até mesmo o patrimônio comum do casal estão sujeitos ao pagamento da dívida da empresa.

Do ponto de vista jurídico, a questão exige reflexão crítica. A prática de impor garantias pessoais de forma indiscriminada, sobretudo em contratos padronizados, fragiliza o micro e pequeno empresário, que já enfrenta maior dificuldade de acesso ao crédito. Há espaço, portanto, para discutir não apenas estratégias de mitigação de risco contratual — como a negociação de garantias reais, a delimitação de prazos ou a contratação de seguros —, mas também o papel do Judiciário em reconhecer e coibir abusos, em especial quando se trata de cláusulas desproporcionais ou de garantias que perpetuam a responsabilidade do sócio sem transparência adequada.

Assim, se por um lado fiança e aval permanecem como instrumentos legítimos de proteção ao crédito, por outro demandam cautela redobrada na análise contratual. Para o advogado que assessora micro e pequenos empresários, o desafio é traduzir a complexidade jurídica em alertas claros, de modo a evitar que uma decisão tomada para viabilizar o negócio acabe comprometendo de forma irreversível o patrimônio pessoal e familiar do cliente.

Renan Xisto 
Societário Contratos